A voz preciosa de Juliette Gréco



A imagem de Juliette Gréco era quase sempre de um olhar sério, quase triste, de preto, sem grandes gestos ou arrebates de voz. Aliás, seu timbre, grave e rouco, não tinha alcance. Mas seu estilo ditou moda e a transformou em um ícone francês. Seu apelo era tão forte que o filme Educação, estrelado por Carey Mulligan, dedicou uma parte de sua trilha sonora e trama para mostrar a obsessão da personagem Jenny por ela. Para Jenny (Mulligan), Juliette era o símbolo pós-guerra de uma mulher moderna, misteriosa, independente. Porque essa era mesmo Juliette Gréco.

Quando surgiu, foi considerada moderna, seus gestos curtos eram um contraste se comparados à Edith Piaf, por exemplo. Para os filósofos e poetas, Juliette simbolizou a femme fatale moderna e escreviam canções especialmente para ela, que mesclava uma maneira de cantar, falando. Ao subir ao palco, ela simplesmente anunciava o nome do poeta e do autor da música antes de começar a cantar. As músicas, geralmente melancólicas, ganhavam outro peso com sua interpretação. Ficou famosa a descrição de Jean-Paul Sartre, que dizia que ela tinha “um milhão de poemas em sua voz”. “É como uma luz quente que alimenta as chamas ardendo dentro de nós. Graças à ela, e para ela, eu escrevi canções. Em sua boca, minhas palavras viram pedras preciosas”, ele escreveu.


A lista de admiradores por Juliette Gréco era longa e diversa, desde o músico Miles Davis, com quem teve um romance, ao produtor Darryl F Zanuck (também amante), o fotógrafo Robert Doisneau e o diretor Jean Cocteau, para citar apenas alguns. 

Ela nasceu no sul da França, mas ainda jovem se mudou com a família para Paris, onde vivia na rivière gauche, a área intelectual e estudantil da cidade. Durante a Segunda Guerra Mundial, seus pais lutaram pela resistência contra os nazistas. Juliette e sua irmãs foram presas pela Gestapo e interrogadas. A experiência traumática foi relatada em sua autobiografia, em 1982. Para a cantora, a partir daí, lutar contra a opressão, terrorismo e por liberdade passou a ser uma questão de sobrevivência e princípio. Quando foi libertada, meses depois, demorou a reencontrar sua família, mas a mãe e a irmã sobreviveram.


Após a guerra, conheceu Sartre, Simone de Beauvoir e outros poetas, dos quais ficou amiga. A escritora Anne-Marie Cazalis que a encorajou a cantar, mas foi Sartre que deu o empurrão decisivo. Ele escreveu uma canção para ela, La Rue des Blancs-Manteaux e dessa performance ela passou a ter o contato com músicos, levando a descobrir uma canção que virou uma de seus hits mais famosos, Je suis comme je suis (Eu sou como eu sou). Juliette virou o símbolo do movimento existencialista em Saint-Germain, como o filme Educação ressaltou. 

Os romances de sua vida também ficaram famosos. Miles Davis não quis se casar com ela para poupá-la da pressão e racismo. Ficaram amigos e ele a visitou pouco antes de morrer, em 1991.  Por conta de sua relação com Zanuck, Juliette estreou em Hollywood em 1958 e fez alguns filmes nos Estados Unidos. O ator Philippe Lemaire foi o pai de sua única filha, Laurence-Marie. Ela se casou depois com o ator Michel Piccoli e seu último marido, o músico Gérard Jouannest, a acompanhou até sua morte, em 2018.

Juliette escreveu uma segunda biografia, em 2012, quatro anos antes de sofrer um derrame, em 2016. Sua filha faleceu no ano seguinte e em seguida, seu marido. A última apresentação de Juliette Gréco foi em Paris, em 2017.



Sua contribuição artística e políticas serão lembradas como sua voz marcante. Mais uma estrela que nos deixa em 2020. A tout à l’heure, Juliette.


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